sábado, 20 de fevereiro de 2010

Ucrânia Revisited



Por Filipe Oliveira

Como internacionalista que sou sempre tive interesse pelo Leste Europeu, seja pela sua suntuosa trajetória histórica e cultural ou por sua importância estratégica para a Europa, e um dos países que mais me desperta atenção é a Ucrânia, que atualmente se encontra em um impasse político pela sucessão presidencial.
Classificada como pertencente aos países do Segundo Mundo por Parag Khanna (2008) *1, a Ucrânia sempre esteve no dilema quanto ao seu papel geopolítico: se seria a fronteira do império russo rumo a Europa (como a própria etimologia da palavra ‘Ucrânia’ em russo sugere *2) ou uma ponte entre a Europa e a Rússia.
Sua posição estratégica, longe de ajudar, tem sido uma sina para o povo ucraniano e parece se refletir em muitos aspectos daquele povo. Divida pelo rio Dnieper, este país carrega duas partes distintas dentro de um mesmo território: a porção católica e agrícola do oeste e ortodoxa e industrializada do leste.
Mesmo na parte mais desenvolvida do país ainda há uma forte carência de modernização industrial e melhoramento da infra-estrutura, que misturada com a alta concentração de renda compromete o desenvolvimento do país. Ademais, a aglutinação de investimentos estrangeiros na capital e grande atuação de bazares que comercializam através de escambos, a margem de toda e qualquer tributação, são alguns sintomas de uma economia fragilizada. Para se ter uma idéia, uma parte considerável da população depende da remessa de mais de 3 milhões de ucranianos que vivem na Europa Ocidental.
Por outro lado a fragilidade das instituições democráticas se reflete na política do país, que apresenta uma incongruência quanto aos objetivos e projetos políticos desenhados para a Ucrânia.
Leonid Kuchma que permaneceu no poder por 10 anos (1994-2004) manteve o que Khanna (2008) e Way (2005) chamam de Soft Autoritarism , bem ao modelo da Ásia Central, com restrições a liberdade de imprensa e algumas brechas democráticas.
Seu indicado à sucessão presidencial Viktor Yanukovich, pró-russo, concorreu com Viktor Yuchenko, líder da oposição. Durante as eleições Yuchenko foi envenenado com dioxina, porém conseguiu sobreviver ao atentado. A oposição acusou os russos de terem planejado o ato.
No auge do conflito entre as forças de segurança de Kuchma e manifestantes a favor de Yuchenko, a população saiu as ruas com bandeiras cor de laranja, assegurando deste modo a anulação do resultado pela Suprema Corte e a convocação de novas eleições . O evento ficou conhecido como Revolução Laranja.
No entanto o que parecia ser o alvorecer de um governo de mudança foi na realidade a continuação dos problemas enfrentados pelo país. Yuchenko colocou pessoas despreparadas para altos cargos no governo e não conseguiu realizar as reformas constitucionais no país. Para piorar, a situação econômica ucraniana se agravou, aprofundando ainda mais as contradições sociais do país.
Nas eleições realizadas no início deste ano a rejeição popular a Yuchenko se revelou nas urnas, uma vez que conseguiu apenas 5% dos votos. O segundo turno foi disputado pela empresária e pró-ocidental Yulia Tymochenko, que permaneceu no cargo de primeira-ministra até 2005, e pelo candidato pró-russo Viktor Yanukovich. Este ganhou por 49% contra 45,5% de Tymochenko.
Agora a ex-primeira ministra recorre à Suprema Corte contestando o resultado das eleições, que segundo ela foram fraudulentas. Apesar disso, a OSCE (Organização de Segurança e Cooperação na Europa),que também inclui União Européia, EUA e Rússia, alega transparência durante o processo eleitoral.
De todo modo, o novo governante terá importantes desafios durante sua gestão especialmente na dissolução de gabinetes paralelos, rompimento de monopólios, saneamento do sistema bancário, geração de empregos, dentre outros, para que o país possa sair da sombra dos russos e se beneficiar com uma possível entrada no bloco europeu e os subseqüentes investimentos da UE.
Ao que tudo parece, este ainda permanece sendo um sonho um tanto distante, uma vez que muitos países da comunidade européia temem perder grande parte dos seus subsídios agrícolas que seriam destinados à superação da enorme dependência agrícola ucraniana. Ademais a grande maioria da população deste país é jovem, o que pode proporcionar uma avalanche de trabalhadores da Ucrânia para os demais países do bloco. Por enquanto só nos resta aguardar pelos próximos capítulos e torcer para que os brados de glória e liberdade entoada no hino nacional ucraniano voltem a sorrir à nação dos Cossacos.



NOTAS
1.Khanna define os países de segundo mundo como Estados importantes geopoliticamente para o equilíbrio de poder entre as superpotências do século XXI, EUA, União Européia e China, e que possuem características distintas dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
2.No idioma oficial Ucrânia significa “pátria” enquanto que na língua russa esta palavra significa “terra de fronteira” (KHANNA, 2008)

*Para ler mais sobre os países do Segundo Mundo leia “O Segundo Mundo” de Parag Khanna da Editora Intrínseca, 559 pgs.

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