segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Por Josy Llopes

Parte I

Um barco na imensidão

Era uma vez um barco.
Um barco na imensidão.
Os portos nos quais ele atracava,
Não aplacavam sua solidão.
O mar e o barco.
A brisa e o barco.
Nunca o porto e o barco.
Não havia um porto suficientemente equipado para as suas necessidades.
Alimentava-se um pouco de poesia num,
De calor noutro.
Partia como aportava, com o coração vazio.
Um dia descobriu resquícios de um antigo porto.
Estudou-lhe todo, minuciosamente.
O porto já havia sido desativado
E aquilo era para ele o sentido da vida.

Parte II

A imensidão do barco

O barco pequenino, muito amor carregava.
Derramava lágrimas em formato de versos por todo o antigo, desativado porto.
O barco ao porto declamava poesias!
Amava-o como coisa-viva,
Com uma imensidão que não se pode caracterizar.
O barco lia no mar os versos do morto porto.
O porto, nada respondia.
E aquele era o verdadeiro sentido da vida.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Belém, 394 anos


Por Josy Llopes

Completo 394 anos de fundação e ninguém perguntou-me o que acho de tudo isso. Diga-se de passagem, estou velha. Sim! Ossos e cabelos brancos e velhos. O que sou? Belém do Ver-o-peso, Belém das mangueiras, Belém das chuvas... Sou a Belém Geni, meu Deus! Não têm coragem de perguntar-me o que penso. Francamente!
Comecemos com a Belle Époque de minha vida. Eu fui uma Belém menina... Menina bonita e superior a algumas cidades brasileiras. Ratos a escutar-me a rouca voz... Dêem-me crédito! Os homens do governo maquilaram-me toda. De mim fizeram mulher... E fui tomando formas. Mas os homens não contentaram-se com aquele sorriso meigo. Despiram-me as vestes de seda e mancharam (ainda mancham!) minha honra. E que velha triste tornei-me! E estes gigantes filhos de concreto a expulsar minhas antigas construções!? Tornei-me uma Belém moderna.
Matinta agourou-me com seu assobio e Nazaré alertou-me. Fui sorrindo... Sorrindo... Até perder os dentes. Hoje sou Belém o que? Belém de quem? Chamam-me ainda Belém morena quando já tenho os céus de cor acinzentada. Homens hipócritas! Belém está em todos vocês! Em todos os quais embalei. Em todos que em meus seios beberam o leite do acolhimento... Não deixem-me morrer! Quero ser ainda a Belém de Euclides, com o mesmo amparo que aqui outrora encontrara. Quero contar-lhes sobre minhas memórias. Quero mostrar-lhes que por mim lutaram muitos e que por mim deve-se lutar.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Apresentação



Por Raphael Gomes.

Foi andando que não vi cair sobre minha cabeça uma manga. E sob sombras de mangueiras vi e provei O Aleph borgiano por entre retorcidos galhos e cheiros mangueantes. Deste ponto se vê todos os pontos do universo. E, vendo-os, revisitamos o mundo, Belém e a nós mesmos. E escolhemos um ponto entre inesgotáveis pontos, uns dentro dos outros, outros justapostos a uns; no número das folhas, na potencialidade das sementes.
Belém Revisited somos nós, vendo como outros viram em paráfrases de tantos outros: “o mar populoso, a alvorada e a tarde; as multidões da América, os intermináveis olhos imediatamente prescrutando-se em nós como num espelho com todos os espelhos do planeta e nenhum nos refletindo; vendo nas gavetas nosso códigos e confidências, vendo no Aleph a Terra e na Terra outra vez o Aleph, vendo o rosto e nossas vísceras, nossos rostos e vertigens e, contemplando, vemos o que nenhum homem contemplou: o inconcebível universo”.
Mas vemos e conversamos que é outra forma de vê, mediada pelo signo. O signo nosso, de gente criada com igapós, baldeações e multitudes. Cheios de luminárias e trevas, de frente a tantas intra-entre-relações. A Belém “de outrora e de hoje”, não tarda em Verdade (dogmatismos vãos), e pede de bom grado aos que tardam que a guardem.