sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A Balada de Frederico


Por Raphael Carmezim

Soneto à Federico

Torpes gemidos vagueiam e gritam
Ao som da gaita minhota galega
Desafinadas, sangrentas veredas
Deixam Granada “Asquerosa” e vibram

Nos corpos, cópulas: vates e tísicos
Os fuzilados pagãos, torpes réprobos
Do Céu: o Deus nacional com seus méritos
Fazem do homem delírios de místicos

Mas onde está o cancioneiro gitano?
E esse marulho de balas e choros?
É um cheiro pútrido: secos antolhos
Espatifados pelas mãos de Franco

Ò Federico! Teus restos encerram
O Paraíso ao enjeitado homem
Aos que não tem coragem e fome
Para viverem seus mortos que velam

Á Andaluzia a poesia com memória
Vate cigano; sangrento punhal
Grandes errantes perseguem tua Nau
No Firmamento de versos de glória


Ao saber da forma que morreu Garcia Lorca, não pude deixar de transmutar tudo num panorama estético. Morrer sob a égide de um governo centralizador certamente por “subversão” ou simples antipatia, significa mais do que política (e isso ainda mais no caso do Poeta): significa a morte pelo que se é. Garcia - não apolítico - mas político humanista, o que transcende coalizões partidárias, programas de governo e correlatos. De fato, ele tornou-se um símbolo apropriado pela propagando falangista: foi martirizado. E quão inconcebível é a um poeta morrer na fogueira fitando o céu, com sorrisos de profeta. Lorca sabia de duendes, de cosmogonias, de universos que cabiam entre folhas de vasos nos quintais das casas; com aranhas nos vitrais sacros, com conversas no remanso das ervas. Penso que Lorca poderia ter pensado em uma formiga mais do em Deus, e isso seria suficiente para amar a vida, a fim de viver, a fim de suplicar aos assassinos a piedade mesma dos homens que esmagam formigas sem saber. E Lorca sumiu. Voltou à terra que lhe dera tantos versos e, embora cegado, gosto de pensar que sentiu o “tembror de estrellas” de que tanto cantou. A “vaguedad” e a melancolia própria dessa Ibéria Mística, da Granada “Paraíso cerrado para muchos”, da gente que ama o diminuto por ver nele o seminal; fez-me lavrar um soneto a fervor de Federico e tudo o mais que inspira: a sofreguidão estética dos que unem expressão artística e vida.
Decidi pelo soneto chamado de Gaita Galega ou moinheira, pouco utilizado, mas assaz tempestivo na ocasião. Elisões (sinalefas, sineréses) e adições (predominantemente diaréses) foram feitas para “enfiar” os versos em decassílabos com tônicas obrigatórias na 4º, 7º e 10º sílaba poética. Espero ter conseguido um sucesso lírico no sentido também de evocar uma imagem tão presente nos versos lorquianos, a saber, os ciganos (gitanos). A tentativa de reconstituir um pouco o episódio da noite do assassinato em versos obrigou-me a, além do soneto, compor quartetos decassílabos no formato moinheira, é claro que compartilhei alguns versos entre um e outro: o soneto é tributário do meu quarteto de gaita Galega! A princípio pensei em escrever uma ode, mas a principio também tinha em mente escrever outra coisa: algo como Lorca não desaparecido, mas enfim num mundo onde seu lirismo e metáforas gongóricas se tornassem realidade. Fica para próxima. Quem quiser pode tecer críticas, afinal eu já estou odiando esse soneto mesmo.

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