terça-feira, 3 de agosto de 2010

QUASE um plano de aula (Parte II)



Por Raphael Carmezin

“(...) Carlos Alberto Nunes, já falecido em Sorocaba, em 1994, com mais de noventa anos, impossibilitado por uma total cegueira de realizar seu último projeto – a tradução das cartas latinas de Erasmo – enviou-me, de São Paulo, anos a fio, romances ingleses e franceses, tratados de filosofia e livros de divulgação científica, hoje inestimáveis peças de minha biblioteca. Nos anos 70, quando era Reitor Aloysio da Costa Chaves, doou à UFPA os direitos autorais sobre o gigantesco trabalho por ele empreendido durante dez anos: a tradução completa de Platão, editada por essa Universidade durante três administrações, entre 1973 e 1980, em 11 volumes. Além disso, ofertou à sua biblioteca livros de e sobre Platão em várias línguas, particularmente em alemão – enfim, uma rica platoniana, a que não faltavam os originais manuscritos de tradução que fizera. Alongamo-nos sobre esse assunto, não porque queiramos propor à Universidade que, na base desse acervo, inicie um novo programa de preparação de helenistas. Apenas faço ver ao Magnífico Reitor a necessidade de reeditar a tradução completa de Platão, de há muito esgotada. Onde quer que vá em minhas perambulações para conferências, na Universidade do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, de Santa Catarina, em Florianópolis, do Paraná, em Curitiba, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, em Belo Horizonte, da Paraíba, em João Pessoa, ou na Universidade de São Paulo, onde quer que vá, é a mesma pergunto que ouço: ‘Quando é que a Universidade Federal do Pará reedita Platão’?
É certo que, não faz muito, ela se preparou para fazê-lo. Mandou revisar todos os volumes publicados; escoimados foram os erros, extirpadas as gralhas, organizados índices naqueles que contêm mais de um diálogo, e esse exaustivo trabalho de revisão entregue no tempo devido. Mas depois disso, não mais se ouviu falar no Platão, embora tivesse chegado à Universidade vantajosa proposta de coedição. Ignora-se, até, o paradeiro dos volumes.
Ali onde comecei a dar aulas, no Moderno, também aprendi a ensinar. É o que tenho feito na vida: aprender a aprender. Sou autodidata dos pés à cabeça. No caso da aprendizagem das línguas foi diferente. Com seu vozeirão, a cabeleira de um branco fosco, Dona Hermenegilda Tavares Cardoso, a Dona Velha, temida no quarteirão, sem papas na língua, de uma franqueza arrebatada, que administrava a sua enorme casa em estilo art noveau na Padre Prudêncio, atual Presidente Pernambuco, e estudava as línguas vivas, ensinou-me o francês também de graça. Denodada mulher, a quem designo como professora emérita: passava os dias preenchendo, com sua bela letra, cadernos como os que me dava, que continham listas de sinônimos e antônimos em francês, então, por excelência, o idioma instrumental da expressão cultural dos indivíduos, médicos e bacharéis em Direito, como os meus primos Hall de Moura, Ribamar, Sylvio e Levi, que viviam sob a sombra tutela de tia Angelina, numa casa modesta da Rui Barbosa.
A casa da Tia Angelina era a última da rua e a rua acabava rente a um capinzal onde vacarias prosperavam. De sua sala pequena, com uma estante ao canto, perto da janela, guardando os livros de meus três primos, bacharéis em Direito e magistrados, fazia meu refúgio durante alguns dias da semana, pela manhã, ao sair do colégio. Ali, naquela estante, encontrara edições francesas de a Crítica da razão pura e de O mundo como vontade e representação, além de L’évolution créatrice de Bergson, da Felix Alcan, exibindo na folha de rosto assinatura de Dalcídio Jurandir, seu ex-proprietário. De vez em quando chegava-me o cheiro das vacarias espalhadas no meio do capinzal, quase sempre ondulado pelo vento. O odor de estrume, da bosta de boi, entre vegetal e animal, um dos melhores e mais fortes cheiros, como ouviria, mais tarde, de Mário Faustino, e o gosto do guaraná solúvel Sórbilis, infalivelmente servido em cada uma dessas visitas, associaram-se à descoberta do caráter a priori do espaço e do tempo na Estética transcendental de Kant. Um dos primos, Ribamar, a mim se afeiçoou.
Estatura mediana, cabelos lisos, os olhos miúdos, mongólicos, como de muitos caboclos da região, bem moreno, mas com uma tez baça de hindu, os lábios finos cortados por leve sorriso numa cara gorducha de Buda, as mãos pequenas, Ribamar antecipava-me a clássica descrição de Sócrates por Alcebíades que leria no Banquete: a desgraciosa imagem de um Sileno. ‘Feio, és muito feio’, ouvi uma vez dizer-lhe de cara o professor de latim do então Ginásio Estadual Paes de Carvalho, Remígio Fernandez, um espanhol alto, de espessas sobrancelhas. E no seu tom lambanceiro, que havia rotinizado o insulto no tratamento de alunos e colegas, completou a apóstrofe chamando-o de Príncipe Encantador. Talvez o extravagante espanhol, que tinha lá as suas humanidades, se lembrasse, usando desse epíteto, Príncipe Encantador, de duplo sentido aplicado a quem o dirigiu, da imagem do Sileno, feio por fora e belo por dentro. No paralelo de Alcebíades, a figurinha exterior é um engodo: destapada, via-se, no bojo, a estátua de um deus. Ribamar deu-me a ver, pela primeira vez o homem por trás do indivíduo e o humano (ou o divino) por trás do homem.
Saiu de sua comarca para o posto de juiz de Direito, em Macapá. Lá teve um acesso de uremia. Ouvi contar que delirou numa audiência, proclamando, de chofre, com as palavras de Jesus em defesa da mulher adúltera, a inocência da acusada no processe em julgamento.
Depois da Odisséia e da Ilíada, veio o tempo da comoção estética abalada, com a leitura de Les misérables de Victor Hugo, primeiro em português, e depois no original, graças ao dadivoso Orlando Bitar, que me confiou (ele foi meu professor de latim no segundo ano ginasial) o catatau de uma edição gigante, letras douradas na capa e nas lombadas, profusamente ilustrada. Eis aí um dos amigos mais velhos, que me ensinou a aprende; o pouco do latim que ainda sei, devo à sua maneira de ensinar, familiarizando o aluno com os tempos primitivos buscados nos dicionários. Dava-se portanto, que certos professores tornaram-se meus amigos, valendo igualmente afirmas, na proposição inversa, que determinados amigos meus, como o Ribamar, tornaram-se meus professores, no sentido amplo da palavra. Não faltará nesta precária, lista da equiparação entre mestre e amigo, o nome de Maria Anunciada Chaves, uma ligação afetiva e intelectual de muitos anos, professora minha que foi, no Moderno, de História Geral e História do Brasil, com a particularidade de ter sido, para mim, como Orlando Bitar, um modelo vivo de didática. Nenhum dos dois, ao que sei, freqüentou cursos de didática. Aprendi a ensinar a duras penas – a ensinar e a ensinar-me...”

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Pensadores do Pará (1º Capitulo)


Por Raphael Carmezim.

Sempre é um momento oportuno de prestar homenagens aos nossos intelectuais conterrâneos, os quais, em certa medida, serão sempre nossos mestres e precursores. Belém Revisited oportuniza, desta feita, aos nossos amigos internautas, a leitura de textos, poemas, ensaios, discursos e dizeres de nossos mais festejados homens de humanidades, enraizados em nossa região por natureza ou destinação.
Inauguramos a sessão com a aula inaugural, o momento inolvidável, do nosso “Mestre dos Magos” preferido e famigerado, grande amigo do Borges afeiçoado! Falo de Benedito José Viana da Costa Nunes, vulgo Benedito Nunes, mais vulgo ainda, Bené. O discurso foi feito em vias de recebimento do título de doutor honoris causa do homem na Cátedra da Universidade Federal do Pará (UFPA). Bené recebeu recentemente da Academia Brasileira de Letras (ABL) o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto da obra, tendo sido internado, no dia do recebimento do prêmio, em instituição hospitalar por problemas de pressão. O texto que se segue foi dividido em três partes, que serão postadas uma vez por mês. Aproveite a prosa galante do “autodidata dos pés à cabeça”, como ele mesmo se define!

QUASE um plano de aula (Parte I)
“ ‘Neste momento inolvidável...’, assim começaria eu se fosse fazer um discurso, na acepção vulgar de comovida peça oratória, fofa e balofa, que me desgosta, embora aprecie o Padre Vieira – mais o das cartas que o dos sermões, aparentemente fofos e balofos sermões, no entanto escritos com as galas todas disponíveis da língua portuguesa do século XVII. Gosto de dar aulas, mas não me proponho a entediar-vos. Habituado, porém, a preleções ordenadas, segundo um procedimento que desde cedo adotei no ensino, fingirei, nessa alocução rememorativa a ser-vos apresentada, pois que ela é memória com prolongamentos analíticos e críticos ao final, que estou obedecendo a um plano de aula. Poderia ser: 1 – Filosofia no Ginásio; 2 – Como aprendi a dar aulas ou, ainda, como comecei a ensinar; 3 – Autodidatismo e formação; 4 – Meus patronos, pais espirituais (não se usava, outrora, o termo hinduísta de guru) – e muitos outros tópicos ilustrativos, exemplares, esclarecedores sem muita acrimônia e, às vezes, divertidos, expostos um tanto a esmo, ao ritmo oscilante do pensamento e da recordação.
Mal terminei o curso ginasial, convidou-me o professor Augusto Serra a dar aulas de Filosofia no Colégio Moderno, onde eu estudara de 1941 a 1948, e do qual era ele diretor e proprietário. Que me seja permitido dividir com Augusto Serra, o Serrão – e com tantos outros que irei mencionando -, o título que hoje me conferis. Essas pessoas, quase todas mortas, continuam a mim aliadas de várias maneiras; alguma elejo meus patronos, pais espirituais que encarnaram cada qual de per si, para o autodidata que ainda sou, a figura do mestre por mim sempre buscado; as que ainda vivem foram e são amigos, no sentido próprio, isto é, companheiros de existência.
Filho único, menino ensimesmado, na amorável companhia de seis tias maternais, procurava e estimava a convivência dos vizinhos de minha idade, a maioria pertencendo à particular estirpe, muito difundida áquela época, dos pequenos serviçais de cabeça raspada (teriam muitos piolhos, dizia-se), empregados, sem remuneração, para trabalhos domésticos nas outras casas da Gentil Bittencourt próximas às nossas, quando não brincava com os moleques independentes dos grandes cortiços próximos, como a Jaqueira, um conjunto de minúsculos quartos de madeira, onde habitavam lavadeiras, cozinheiras, pequenos artesões, desocupados, escroques, pedreiros e trabalhadores em geral – O Lumpenproletariat desse período. Mas inclinei-me, desde cedo, à relação com pessoas mais velhas, como vereis.
De família remediada muito católica, minha mãe sonhava pôr-me a estudar o ginasial nos Maristas, cujas mensalidades não lhe eram acessíveis. Procurou-os, certo dia, para pedir-lhes, nesse momento, exibindo-me ao padre, que então nos recebeu, como aluno aplicado, uma vaga gratuita. O benefício caridoso foi-nos negado para decepção da expectativa cristã de minha mãe. Entretanto, Augusto Serra, reputado ateu (e ele não era senão, como vim a saber mais tarde, um descendente do positivismo à Littrè), ofereceu-me, por intermédio de seu irmão Osvaldo – o Serrinha –, nosso vizinho, ambos sendo excelentes matemáticos, a vaga gratuita almejada, no Colégio Moderno, onde, durante sete anos, eu e outros colegas na mesma situação, bem mais pobres do que eu, fomos estudantes de pleno direito, sem qualquer espécie de discriminação, como a que havia, então, nos colégios religiosos para órfãos, órfãs e assemelhados.
Fui representante de classe, presidente do Grêmio e, de certo modo, líder dos colegas estudantes. Com o Serrão, tinha longas conversas litero-filosóficas nos fins de tarde. Franqueou-me a biblioteca do estabelecimento, até aquele momento fechada, e que viria a organizar e administrar em nome do Grêmio: livros, em sua maioria, em francês e inglês. Pela primeira vez, li de cabo a rabo, um texto em francês de autor inglês: o Ivanhoé, de Walter Scott, um dos primeiro alumbramentos literários, depois de As Caçadas de Pedrinho e as Memórias de Emília, de Monteiro Lobato ou o Robin Hood, em tradução do mesmo Lobato – alumbramentos que continuaria a proporcionar-me a Odisséia de Homero, vertida do grego para o português, por Carlos Alberto Nunes, meu tio, que morava em São Paulo, com que partilho as honras do meu título...

domingo, 11 de julho de 2010

Texto 2


Por Josy Llopes

Do alto da escada o sol brilhava, porém estava frio. Ele circundava a xícara de chá com as mãos. Estava sozinho. Admirava-se de seu autocontrole. Acreditou ser o homem mais completo do mundo por alguns segundos. Ergueu-se na escada, o sol ia-se lentamente. Sentiu-se traído por ele. Enfureceu-se. Bebeu o chá. Sentiu-se confortável novamente. Desejava fazer o coração parar de bater, estava tão concentrado que só podia ouvir as batidos do próprio coração. Achou-se louco, riu-se. Tinha coração, tinha cérebro, tinha coragem e estava em casa. “O que pedir à Oz?”, brincou. Pensou em livros e concluiu que não era possível lê-los todos antes de morrer. Pensou na morte e em olhos negros. Viu-se pequeno no mundo, viu-se grande comparado às formigas nas laterais da escada. Pensou nos sinos, no padre que executava a tarefa de fazê-los avisar a hora da missa. Pensou em beber um oceano, em fazer parte de algo maior que a própria vida. Pensou no som que as árvores emitem quando estão secas e em contato com o vento e comparou-o ao som de sua vida, ele que tinha tantas coisas mas não sabia o que de fato lhe servia. Gostava das imagens que estavam guardadas em sua memória, mesmo as imagens tristes, sentia-se vivo, tinha lembranças. Lembrou-se de que ser bobo era uma forma instigante de viver. Refletiu sobre a problemática das borboletas desaparecidas e lembrou-se nunca ter cultivado uma flor. Tinha contas e seus credores o esperavam, o que fazer? Pensou ainda nas cenas que presenciara: um homem tinha fome, uma criança também. Ele não tinha fome, pararia de comer para se descobrir feliz. Lembrou-se então do natal, da família. Após as festas eles se iam. Nunca estavam lá, mesmo quando estavam. Diagnosticou loucura à sua exclusiva paciente: a precisa alma. Queria partir-se em mil pedaços de vidro e entrar nos corpos dos homens para saber do que eram compostos. Não aceitava a idéia da carne e ossos, o homem deveria ter algo a mais, talvez um pouco de monstro, um pouco de cordeiro, queria ver o que estava sob aqueles patéticos corpos. Bebeu o chá até o último gole, espreguiçou-se e desceu as escadas. Foi assistir TV e comer pipocas. Era mais fácil.

Texto 1


Por Josy Llopes.

Guiomar levantava-se cedo. Abria as janelas um pouco envergadas e soltava os cabelos negros como uma sala de visitas vazia. Penteava-os com a habilidade de uma velha costureira. Devotava os olhos negros no céu, nas pedras ou no balanço das árvores. Sentia-se vazia num caleidoscópio de olhares, de vida e cheiros. Vez ou outro aparecia-lhe um amigo: “vamos, Guiomar! A praia está cheia e o mar tão alegre... só falta você!” Porém a moça respondia com um leve balançar de cabeça. Imaginava Guiomar aonde estava Antônio, seu amor. Certamente num bar, ouvindo samba e bebendo do falso néctar de outros braços. Desciam-lhe pela face lágrimas salgadas que recordavam-na do sal dos beijos de Antônio quando jantavam no churrasco do canto da rua e trocavam carícias. Guiomar de olhos tristes via seu amor sem dinheiro, indubitavelmente voltaria cedo ou tarde. Na estante os retratos de uma época de delírio: abraçavam-se sorrindo, num parque de diversões. Compartilhavam uma maçã-do-amor tão doce de ter aversão. Momentos fugazes. A janela abria-lhe as portas de um mundo vasto, entretanto castigava-lhe a espera, a demora. Esperava um amor que não vinha. Eis que passa um mulato, dize-lhe elogios baratos, ovos de paixão que aquecem-se e nascem amor. Optou descer mais uma vez, dizendo ser a última vez, a avenida.

Baseado na música “Ela e sua janela”, de Chico Buarque.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Próxima Estación: Esperanza !


Por Raphael Carmezim.

Quando me perguntam quem é Manu Chao, eu respondo: é um artista, um músico! Quando me perguntam que tipo de musica ele faz, eu respondo: dub...reggae...ritmos caribenhos...na certeza de quem nem eu sei ao certo o que é aquilo. De fato, Manu Chao está naquelas categorias “líquidas” (lembrando do sociólogo polaco Bauman)do artista “perdido nel siglo XX”), própria da estética do nosso século.
Basta entrar na página oficial do artista (http://www.manuchao.net/) e sentir a toada da “amalucada vida”, o “vento que vien e que se vá”, um mundo “viramundo”, que comemora as amarguras, as tristes esperanças, a “sharp politic”, a insatisfação dos povos, das culturas (“Che cosa vuoi dá-me...que cosa vuoi ancora...que cosa vuoi de piú).
Manu Chao esteve em Belém recentemente, trazendo uma mensagem que permeia toda a sua obra: “La resignación és un suicídio permanente”, talvez herança de uma juventude Manonegrista, permeada pelo punk franco-londrino, rockabilly espanhol, prédicas anárquicas, panegíricos de outras formas de coletividades e de relacionamentos com os povos e a natura. Seus shows lembram mesmo as T.A.Z’s de Hakim Bey, reunindo povos de tantas estratificações possíveis que esvaziam-se os espaços de poder, dissolvendo-se tudo na massa pastosa, anterior ao Deus de Mennochio.
De corações desérticos como a Sibéria, à honradez dos heróis futebolísticos (La vida és una tômbola Maradona, e a loteria começa dia 13!); do canto da Pachamama que se põe a chorar, às prostitutas das “calles” de coração de alquilar, das horas que batem no coração em todos os cantos do mundo, aos pequenos planetas (“L'univers est trés grand avec plein d'étoiles ! Et ces petites étoiles sont brillantes,elles sont gentilles, elles sont sympatiques si vous les aimez...”) que rutilam nos olhos de quem vê. É bom ouvir um artista que pensa a vida em uma perspectiva antropológica tão válida, qual seja, como bem se expressou a Profª. Ana Paula em palestra na UFPA: uma constante esquizofrenia.
Agora Manu Chao está flertando com o nosso carimbó, se diz grande admirador do trabalho de nosso Pinduca. Em seu show disse não saber espanhol, não saber português...sabe apenas portunhol. De fato Manu Chao sabe das misturas, mix, mezclas, mixages, mescolanzas, e ninguém como ele consegue, de tal forma, a partir de nossas diferenças, nos fazer filhos de uma mesma estirpe, condenados a “nunca llegar”, mas a mensagem está dada: “La muerte es um regreso que tendrá que esperar, poi yo voy pra frente, deste mundo demente, e a cada dia eu lucho para não decaer”. ESPERANZA LATINO AMERICA, ESPERANZA VIRAMUNDO! Vivamos pois, a feira de mentiras!: http://www.manuchao.net/manuchao/a-feira-das-mentiras/index.php?p=23

Referências:
BAUMAN, Zigmunt . Modernidade Líquida; tradução, Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001
Palestra: Direito e Antropologia: desafios, encontros e desencontros. Ana Paula Schritzmeyer.
CHAO, Manu. Letras. Maio.2010. Disponível em http://letras.terra.com.br/manu-chao/. Acesso em 31 de maio de 2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Anna Karenina Revisited.


Por Filipe Oliveira.

Leon Nikolaievitch Tolstói foi um homem maior que a vida. Suas façanhas são tantas, que tentar falar de todas em um espaço de tempo tão curto é uma tarefa difícil. Tolstói nasceu em Iasnaia Poliana, cidade a 160 km ao sul de Moscou no ano de 1828 em uma família muito rica. Seus pais morreram quando ele era criança, e por conta disso teve que viver com sua tia. Durante sua infância e adolescência, teve uma educação privilegiada e foi com seu professor particular alemão chamado Ressel que ele adquiriu o gosto pela leitura.
Tolstói entrou para a universidade, mas não chegou a se destacar como aluno, então acabou abandonando o curso de direito e se alistando nas forças armadas, chegando inclusive a lutar na Guerra da Criméia (1853-1856). Quando voltou da guerra passou a publicar histórias sobre a guerra, sua infância e a sociedade russa, sendo aclamado pelo público e pela crítica.
Anna Karenina é o seu romance mais famoso. Ele conta a história do relacionamento entre Anna Karenina, uma mulher casada com um influente homem de São Petesburgo, Alieksei Alieksandrovic, com Alieksei Vronski, um importante militar. Ao longo da história podemos conhecer os costumes da sociedade russa através do cotidiano de inúmeros personagens como Liêvin Ivanovitch, Stiepan Arcadievitch, Katierina Tchierbatskaia, Sviájski, dentre outros. O autor consegue traçar um perfil psicológico profundo dos personagens e utiliza isso para criticar muitos dos costumes da época.
De todos os personagens retratados no livro, Anna Karenina, sem sombra de dúvida, é a personagem mais intrigante. Sua bela aparência física aliada ao seu charme singular e o seu posicionamento moral perante a sociedade petersburgesa passam paulatinamente a dar lugar a uma mulher excessivamente ciumenta e insegura, vivenciando um terrível estado mental de ódio, miséria e desprezo, vendo repulsa em todos e tudo que a cerca.
Assim, diante do desespero que se encontrava e da sua falsa certeza do desprezo que o seu amante lhe tinha, Anna não viu outra solução que não o suicídio. Ela então desce até a linha dos trens, sendo atropelada poucos segundos depois.
Este suicídio, ao meu ver o ponto alto da obra, mereceu algumas análises sociais e psicológicas, das quais merecem destaque a tese de conclusão de curso de alunos de psicologia da Faculdade Ruy Barbosa, utilizando como pressuposto teórico as obras de Fernanda Bruno, Michael Foucault, Serge Moscovici, David Myerrese, dentre outros.
Segundo o estudo, Anna Karenina sofreu uma forte coerção da sociedade a partir do momento em que deixa de observar os padrões de comportamento estabelecidos para se lançar em uma aventura extraconjugal. Deste modo, a estrutura social e seu mecanismo de manutenção da subjetividade individual são alterados.
Nesse sentido, a análise de Foucault baseado no modelo do Panóptico se faz importante para o entendimento da situação de Anna Karenina. Segundo Bruno (2004) o Panóptico é:
“A arquitetura circular, as celas individuais dispostas em anel e a torre central atendem ao princípio de dissociação do par ver-ser visto (...) Da torre central, onde deve se instalar a vigilância, a transparência é total – todas as celas, todos os indivíduos nelas alojados são perfeitamente visíveis; o olho central tudo vê. Das celas, ou nada se vê ou se é furtado da decisão sobre o que se vê (....)”
A partir do momento em que interpretamos o Panóptico como a sociedade, com o seu olhar perscrutador sobre o indivíduo, percebemos a força de sua alteridade no que tange a internalização das normas propagadas e na formação da identidade de cada indivíduo.
Quando Anna deixa de seguir o que foi socialmente e privativamente (por meio da auto-vigilância do comportamento) convencionado como normal, esta sociedade passa a agir através da coerção social, que pode ser exercida de inúmeras formas.
Este processo, só possui força a partir do momento em que o indivíduo que sofre a ação passa a se identificar com os rótulos difundidos a seu respeito. Como foi muito bem exposto na tese, Anna, que já se sentia culpada pela relação que vinha tendo com seu amante, passa a se identificar com as injúrias que lhe são dirigidas, conduzindo em parte os subseqüentes tormentos pelos quais a anti-heroína passa.
Os pensamentos de Anna nos capítulos que precedem sua morte corroboram a situação em que ela se encontrava. “Admitamos que eu me casasse: olhar-me-ia Kitty com menos condescendência? Não se perguntará Sierioja [o filho de Anna] por que tenho eu dois maridos? Poder-se-ão estabelecer entre mim e Vronski relações que não sejam uma tortura para mim? Não. (...) A cisão entre nós é muito profunda: eu faço-o infeliz e ele faz-me infeliz. Nada se modificaria. (Pag 302, livro II)
Assim, lhe é permitido um único ato livre para esta situação, o suicido. Independentemente das discussões sobre o significado da liberdade de ação quando se é compelido a escolher uma única opção. (MOSCOVICI apud Andrade, Matos, Alves, Matos, Coutinho, Sacramento,2007) esta tese é bastante elucidativa do funcionamento das sociedades, que desde os tempos imemoriais até o futuro infinito permanece o mesmo, apesar das mudanças das formas e condições históricas.
Fica a dica para quem tem interesse em conhecer de forma mais aprofundada um pouco do espírito do povo russo, retratada por alguém que conhecia como ninguém seus preconceitos, estereótipos, valores e crenças, tão distantes, mas ao mesmo tempo tão próximos a nós, seja no século XIX, sejam nos dias atuais.

Gene dos ruivos


Participação especial de Raphael Costa do blog Eudeviaestar.

Sentir isso é a liberdade que tenho.
Tentam me fazer acreditar que meu "eu" interno
não pode ser meu "eu" público.
Mas de certa maneira, calado, falante, porre ou sóbrio:
sou a mesma verde ervilha.
A que estava debaixo daquele seu colchão,
a que rolou para fora do pote da vovó
por não querer ser parte do molho.
Devia assim andar nu,
não para espantar, seduzir ou expressar,
devia apenas calar e sentar.
Mas o desejo da maioria não repreendeu meus anos de carteira
traseira sedenta de opinião livre.
Um dia os pequenos sardentos tem garganta,
ela é rouca e diz mais do que deveria,
e talvez mais do que gostaria.
Mas sempre é o necessário para certos pontos de vista,
de quem curte,
de quem sacrifica pela redenção
da libertação pessoal.
Eu sou o primeiro de muitos, de muitos que virão.