domingo, 11 de julho de 2010

Texto 2


Por Josy Llopes

Do alto da escada o sol brilhava, porém estava frio. Ele circundava a xícara de chá com as mãos. Estava sozinho. Admirava-se de seu autocontrole. Acreditou ser o homem mais completo do mundo por alguns segundos. Ergueu-se na escada, o sol ia-se lentamente. Sentiu-se traído por ele. Enfureceu-se. Bebeu o chá. Sentiu-se confortável novamente. Desejava fazer o coração parar de bater, estava tão concentrado que só podia ouvir as batidos do próprio coração. Achou-se louco, riu-se. Tinha coração, tinha cérebro, tinha coragem e estava em casa. “O que pedir à Oz?”, brincou. Pensou em livros e concluiu que não era possível lê-los todos antes de morrer. Pensou na morte e em olhos negros. Viu-se pequeno no mundo, viu-se grande comparado às formigas nas laterais da escada. Pensou nos sinos, no padre que executava a tarefa de fazê-los avisar a hora da missa. Pensou em beber um oceano, em fazer parte de algo maior que a própria vida. Pensou no som que as árvores emitem quando estão secas e em contato com o vento e comparou-o ao som de sua vida, ele que tinha tantas coisas mas não sabia o que de fato lhe servia. Gostava das imagens que estavam guardadas em sua memória, mesmo as imagens tristes, sentia-se vivo, tinha lembranças. Lembrou-se de que ser bobo era uma forma instigante de viver. Refletiu sobre a problemática das borboletas desaparecidas e lembrou-se nunca ter cultivado uma flor. Tinha contas e seus credores o esperavam, o que fazer? Pensou ainda nas cenas que presenciara: um homem tinha fome, uma criança também. Ele não tinha fome, pararia de comer para se descobrir feliz. Lembrou-se então do natal, da família. Após as festas eles se iam. Nunca estavam lá, mesmo quando estavam. Diagnosticou loucura à sua exclusiva paciente: a precisa alma. Queria partir-se em mil pedaços de vidro e entrar nos corpos dos homens para saber do que eram compostos. Não aceitava a idéia da carne e ossos, o homem deveria ter algo a mais, talvez um pouco de monstro, um pouco de cordeiro, queria ver o que estava sob aqueles patéticos corpos. Bebeu o chá até o último gole, espreguiçou-se e desceu as escadas. Foi assistir TV e comer pipocas. Era mais fácil.

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