domingo, 11 de julho de 2010

Texto 1


Por Josy Llopes.

Guiomar levantava-se cedo. Abria as janelas um pouco envergadas e soltava os cabelos negros como uma sala de visitas vazia. Penteava-os com a habilidade de uma velha costureira. Devotava os olhos negros no céu, nas pedras ou no balanço das árvores. Sentia-se vazia num caleidoscópio de olhares, de vida e cheiros. Vez ou outro aparecia-lhe um amigo: “vamos, Guiomar! A praia está cheia e o mar tão alegre... só falta você!” Porém a moça respondia com um leve balançar de cabeça. Imaginava Guiomar aonde estava Antônio, seu amor. Certamente num bar, ouvindo samba e bebendo do falso néctar de outros braços. Desciam-lhe pela face lágrimas salgadas que recordavam-na do sal dos beijos de Antônio quando jantavam no churrasco do canto da rua e trocavam carícias. Guiomar de olhos tristes via seu amor sem dinheiro, indubitavelmente voltaria cedo ou tarde. Na estante os retratos de uma época de delírio: abraçavam-se sorrindo, num parque de diversões. Compartilhavam uma maçã-do-amor tão doce de ter aversão. Momentos fugazes. A janela abria-lhe as portas de um mundo vasto, entretanto castigava-lhe a espera, a demora. Esperava um amor que não vinha. Eis que passa um mulato, dize-lhe elogios baratos, ovos de paixão que aquecem-se e nascem amor. Optou descer mais uma vez, dizendo ser a última vez, a avenida.

Baseado na música “Ela e sua janela”, de Chico Buarque.

Um comentário:

  1. Como se pegassem a música de Chico buarque e esticassem-na um pouco mais, soubestes ter um perfeito olhar criativo entre as linhas do versos de "Ela e sua janela". Demonstrando que tens um grande talento com as palavras, o que não lhe deve ser novidade saber disso.
    Sem dúvida, mesmo baseando-se, é um belo e curto conto que retrata bem de como a aurora de uma paixão pode ser prazerosa e tão breve. Como as pessoas se apaixonam e aquecem-se de cada faísca de sua paixão, até não haver mais chama alguma. E então o frio as consome e vivem na esperança de aquilo acender-se novamente, mas o tempo torna ainda mais gélido. E só veem outra chama como aquela dentro de outros olhos, de outros braços mesmo não tendo a plena certeza se esta chama os aquecerá tanto como outrora. O que importa? Estão desesperadas...
    Seriam as paixões feitas para serem breves? Como um ciclo? Talvez não, talvez sejam como o fogo. Que mesmo chovendo ou ventando, quando há a vontade e o cuidado de mantê-lo, ele ainda aquece.

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