quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Diante da Morte



Por Raphael Carmezim


Diante da Morte nenhum cão ladra! Ela é a maldita ladra que não rouba, mas toma de volta, pois que se assenhoreia sem ninguém contestar (e nem que tenha foro privilegiado!). Nos escaninhos da Inominável, da Língua Preta (que tem tantos nomes), todos voltam à Igualdade sócio-econômica; o que deveria deixar-nos a nós, republicanos, democratas e civilização, tranquilíssimos. Certo? Não.
Diante da Morte se vê cada comportamentozinho oblíquo, cinzento, digo estranho mesmo. Como no jornal de hoje. Como é de praxe, algum caboclo assassinou-se (digo isso porque ele foi assassinado, mas tava andando trêbado de madrugada num lugar chamado Rua da Morte...) e estava estampando uma notícia jornalística e sanguinolenta de primeira página.
Seu cadáver obtuso, grosseiro, de gente trabalhadora, aparecia todo sequelado, arreganhado, moído e, por fim, morto, com os olhos injetados abertos como as mãos em atitude defensiva.
O negócio poderia ser assaz “normal” se não fosse um piazinho, moleque mesmo destes de bairro de gente espontânea, vergado sobre o presunto com um cell phone tirando uma foto, com close e tudo, na lata do sujeito.
Ta certo que é criança, e destas que já viram muitos mortos, e que nem a Morte escapa do lúdico e da boa curiosidade é certo também; mas que diabos é isso de tirar uma foto do sujeito estendido no chão?
Acrescem-se os adultos em volta, tipo roda de cirandar, como se o presunto tivesse pagando alguma prenda (cara por sinal); não que ele reclame, afinal, tá morto! E quando vivo não davam nem ouvido(deram foi facada!). Sem falar que o cadáver nem morrer de morte privada morre, pois que vai parar nos Orkuts e nos Youtube da vida. Eu também não reclamo, mas reflito sobre esses fenômenos que, mesmo “normais”, são interessantes.
Parece que morte é que nem sexo: é um acontecimento ritualizado que até hoje traz suas reminiscências de ritos de passagem. No nosso caso - tradição judaico-cristã - abominam-se os dois: sexo ou morte, mas em termos relativos, pois que se nem todos querem morrer ou trepar, todos querem dar uma espiadinha e fazer algumas perguntas.
Talvez por isso sejam tão populares escândalos sexuais seguidos de morte! Mas cogitações à parte, bem que nós temos um lado frenesi com a mardita. Se a morte encerra o temor, encerra a atração, a estranheza, o mistério. A cara de um morto deve ser um enigma universal, com sua pétrea formação multicor, inchada, plácida, preguiçosa.
Digo “deve” porque eu já vi moribundo, mas nunca vi morto. Nem sei o porquê falo destes, ou de seus espectadores, afinal, se a galera vê é porque alguma coisa deve ter de bom: ficar lá, vendo o fedor surgir, as gentes chorarem, os sintomas da morte pelo corpo; pode ser que nem sexo, se todo mundo faz é porque alguma coisa tem de bom, ou pode ser como um sexo que não se fez... Uma brochada. Será que as pessoas se identificam com o cadáver por ele ser um alguém “dessexualizado”? Sabe como é... p*** de morto não levanta... E convenhamos, aqui no Brasil, na verdade, até morto acaba numa boa sacanagem.
O engraçado (se há graça nisso) é que se suspeita de que o homem morto do jornal tivesse acabado de sair, em altas noites, de um inferninho...

5 comentários:

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  4. Comentários são sempre bem vindos, porém aqueles que forem ofensivos com os autores e não tiverem qualquer relação com a obra serão deletados.

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  5. Escreve bem esse moço...mas essa relação da morte com a sexualidade está tão parecid com a teoria das cobras... se bem que ainda não te falei dessa teoria, será que é algo inerente ao inconsciente humano, olha estamos no mesmo patamar consiglieri, nem adiant eu estar " 4 anos à tua frente" rsrs...

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